Especial de aniversário da Três Pontos #2

Uma análise sobre os autores da agência e a importância da diversidade

Importante: os dados abaixo se referem aos autores da Três Pontos até abril de 2023.

Capa da newsletter. Sobre um fundo azul claro com brilhos brancos está escrito "Muito além do ponto final… especial de aniversário #2"

Oi!

Aqui é a Tassi de novo, e essa é a segunda de quatro newsletters especiais pelo aniversário de dois anos da Três Pontos.

É inegável que o mercado editorial reproduz estruturas de poder nocivas presentes na nossa sociedade, priorizando a publicação de obras de autoria e protagonismo branco, cis, hétero e do sudeste. Uma leitura muito interessante nesse sentido é o artigo da pesquisadora Regina Dalcastagnè sobre quem é o personagem principal dos livros brasileiros.

Eu trouxe da minha agência anterior a carteira de agenciados que construí ao longo desses últimos dez anos mas, no início da minha carreira, os únicos pontos que levava em conta na seleção de autores eram a qualidade do texto e a sexualidade do autor. Ao longo do tempo, fui me incomodando cada vez mais com a predominância de oportunidades dadas a autores homens, brancos e cis, mesmo dentro da comunidade queer. As ofertas de adiantamentos são menores, por exemplo, para autores não brancos e para mulheres, e sempre tive dificuldade de enxergar abertura de grandes editoras a projetos dessas pessoas que não necessariamente tivessem como foco o sofrimento do protagonista. Reconhecimento em prêmios e mídia, então, nem se fala.

Outro fator importante é entender que, a partir do momento em que você representa uma pessoa de alguma identidade marginalizada, o trabalho não se encerra quando um contrato de livro é assinado. Você deve se manifestar ativamente contra qualquer tipo de preconceito que a pessoa sofra por parte dos profissionais do próprio mercado, porque apesar do cenário ter melhorado um pouco e estarmos vendo uma abertura maior para a contratação de autores “diversos” de uns anos pra cá, os tomadores de decisão em editoras e agências ainda são majoritariamente pessoas cis e brancas de classes sociais mais abastadas.

Sempre tentei olhar de forma atenta para as pessoas com quem estou trabalhando, e quando fundei a Três Pontos, coloquei como missão da agência ter um cuidado especial de priorizar a representação de autores cuja publicação ajuda a mudar o imaginário coletivo de quem pode ser escritor no Brasil.

Hoje, os critérios de seleção da Três Pontos continuam, sim, levando em conta a qualidade do texto e sexualidade, mas também pesamos outros aspectos sociais do autor contratado, e é por isso que eu queria falar um pouco dela, a famosa diversidade.

Infelizmente, o termo sofreu um esvaziamento enorme e muita gente acaba usando ele mais como um escudo ou uma bandeira puramente comercial. Para não criar discursos vazios, acho importante não apenas reclamar da falta de diversidade do mercado editorial (o que faço com alguma frequência), mas também vir aqui prestar contas de alguns dados sociais da Três Pontos em relação aos nossos autores representados.

Só pra explicar um pouco como esses dados foram obtidos, na agência existe uma divisão entre autores de projeto (com quem a gente faz contrato só para obras específicas) e de carreira (com quem a gente tem um contrato que tem como objetivo uma continuidade de publicação). As informações desse texto são referentes aos 19 autores de carreira que representamos e pedimos a eles quatro informações nesse primeiro levantamento de dados sociais da agência: cor/raça, gênero, orientação sexual e região de origem, sempre dando a opção de não responder. Todas as respostas aqui foram autodeclaradas. Então, vamos lá.

Gráfico de pizza sobre a orientação sexual dos autores da Três Pontos. Na ordem, da maior para a menor porcentagem: 31,6% bissexual. 21,1%: gay. 15,8% hetero. 10,5% queer. 10,5% assexual. 5,3% lésbica. 5,3% prefere não declarar.

Em relação à orientação sexual, as pessoas heterossexuais representam apenas 15,8% dos autores. Gays e lésbicas, em conjunto, são 26,4% das pessoas representadas pela agência, e 31,6% são bissexuais. Pessoas queer (um termo mais amplo para orientações não hétero) e assexuais figuram com 10,5% cada. Podemos ver, então, que apesar de termos quase 80% dos autores na comunidade queer, ainda podemos melhorar nossa representação de pessoas lésbicas, que figuram com o menor percentual de autores na agência. De qualquer forma, ficamos bastante felizes com essa maioria de autores queer <3

Quanto à naturalidade de nossos autores, infelizmente acompanhamos a concentração de autores do sudeste que vemos no resto do mercado editorial. No entanto, vale destacar os mais de 30% de autores do norte e do nordeste. Infelizmente temos também que apontar a falta de autores do centro-oeste, região que sabemos que é muito invisibilizada no mercado.

Gráfico de pizza sobre as regiões do país dos autores da Três Pontos. Em ordem, da maior para a menor porcentagem: 63,2% do sudeste; 15,8% do norte. 15,8% do nordeste. 5,3% do sul.

Como uma pessoa trans (eu uso mais “queer” em geral tanto pra gênero quanto pra orientação sexual), um dos fatores que me deixou mais frustrada nessa análise foi ver que temos apenas uma pessoa que se identifica como não binária, e que todos os outros autores de carreira que representamos se declaram como cisgênero. Na representação por obra, temos três pessoas no guarda-chuva trans, e estamos prospectando mais um autor de carreira, mas é importante darmos o suporte do agenciamento de carreira para mais pessoas trans.

Gráfico de pizza com o gênero dos autores da Três Pontos. Em ordem, da maior para a menor porcentagem: 57,9% são mulheres cis. 36,8% são homens cis. 5,3% são pessoas não-binárias.

Em relação à cor/raça, pessoas pretas e pardas somam 42,1% dos autores representados. No censo de 2010 do IBGE, esse grupo somou aproximadamente 51% dos brasileiros. Ou seja, ainda temos certa caminhada pela frente para, no mínimo, representar de forma mais realista a parcela de pessoas não brancas do Brasil dentro da agência. Outro ponto importantíssimo é apontar a falta de autores indígenas e marrons na nossa carteira de clientes. Mesmo assim, fico feliz (apesar de não completamente satisfeita) em ver que as pessoas brancas já são menos da metade dos autores da agência.

Gráfico de pizza com cor/raça dos autores da Três Pontos. Da maior para a menor porcentagem: 47,4% branco. 31,6% preto. 10,5% pardo. 10,5% amarelo.

Por esse levantamento, dá pra ver que, apesar da agência ter sido fundada com uma preocupação com a diversidade das obras e autores que representamos, essa busca tem que ser constante e ativa, já que sempre teremos pontos a melhorar, principalmente se nosso objetivo é dar destaque a vozes pouco lidas e mudar o panorama do mercado editorial.

Assim, alguns de nossos objetivos sociais para os próximos anos são:

  • Representar mais autores trans/queer em modelo de carreira;

  • Representar autores do centro-oeste e diminuir a proporção de autores do sudeste;

  • Representar autores indígenas e marrons, e continuar diminuindo o percentual de autores brancos;

  • Expandir o levantamento de dados sociais para cobrir outros pontos como classe social, deficiências e profissões.

Para isso, um dos planos da Três Pontos é aumentar nossa equipe de agentes! Afinal de contas, eu sou uma pessoa só e, hoje, represento 18 dos 19 autores de carreira da agência. Esse objetivo está profundamente relacionado com o texto da próxima semana, no qual vou falar sobre a iniciativa de formação de novos agentes literários que venho desenvolvendo desde o ano passado <3

Gostaria de encerrar esse texto convidando outros atores do mercado (editoras, agências etc) a fazerem esse tipo de levantamento com frequência, mesmo que apenas internamente, para que possamos enxergar de forma direta o que precisamos fazer para construir um mercado editorial de fato diverso e planejar ações concretas para alcançar esse objetivo.